domingo, 17 de dezembro de 2017

Problemas de The Last Jedi e da nova trilogia


Star Wars nunca realmente morreu. Após o fim de cada trilogia, o público geral deixou a saga adormecer até que os novos capítulos chegassem, mas aqueles que nutrem um amor pela saga sempre a buscaram em outros veículos, como livros, quadrinhos, jogos e eventos/encontros de fãs (como as Jedicon). Contudo, por mais que o Universo Expandido (apesar de possuidor de muitos materiais regulares) nos tenha presenteado com histórias interessantíssimas, nada se compara a novos filmes, e o anúncio de uma nova trilogia e derivados após a compra da Lucasfilm pegou todos de surpresa, gerando um hype quase contínuo pela saga. Havia desde cedo, porém, um problema: George Lucas não sabe dirigir filmes e estragou a Segunda Trilogia. Devido a esse fato e à enorme qualidade da Trilogia Clássica, cada vez mais intensificou-se a nostalgia em relação aos filmes de 1977-1983.

Frente a esse problema, a Disney e a Lucasfilm (agora sob a presidência de Kathleen Kennedy) possuíam basicamente duas escolhas: seguir para terceiros e quartos caminhos ou retomar o caminho exato dos três primeiros filmes. Entre a ousadia e a zona de conforto, escolheu-se a segunda opção. Aí reside, portanto, o problema da Terceira Trilogia em si. Não se trata, neste momento, de avaliar a qualidade isolada de cada filme (dirigidos pelos competentíssimos J. J. Abrams e Rian Johnson), mas do conceito básico que rege não apenas essa nova trilogia, mas também os derivados e até mesmo produtos licenciados. Com exceção dos recém anunciados derivados de Rian Johnson (de que nada sabemos), todos os derivados (mesmo os adiados) passam-se no período que constitui a Trilogia Clássica: Rogue One, Han Solo e o nebuloso filme do Boba Fett. Não se encontra mais com facilidade produtos licenciados de cavaleiros Jedi ou Clone troopers, mas sim de Stormtroopers, rebeldes e Darth Vader. A série The Clone Wars foi substituída por Rebels (cujo nome já diz tudo).


Quanto à nova trilogia, passa-se algumas décadas após O Retorno de Jedi, e se trata de um caminho completamente natural, sendo até mesmo a intenção de Lucas, antes de vender a sua empresa à Disney. O problema reside em destruir tudo o que foi construído durante e após o Episódio VI (destruição do Império, estabelecimento de uma nova República, o surgimento de uma Nova Ordem Jedi) para que tudo voltasse à estaca zero e os filmes pudessem mais uma vez tratar da dicotomia Império/Rebelião (agora chamados Primeira Ordem e Resistência, respectivamente). Se a Aliança Rebelde conseguiu, a muito custo, destruir o Império, com grande facilidade o mesmo ressurgiu. Se após o fim do Império houve enorme esforço para se instaurar um novo sistema político, esqueça, pois o mesmo foi destruído em um piscar de olhos através da Base Starkiller. Se Obi-Wan e Yoda esforçaram-se para não deixar a Ordem morrer ao treinarem Luke Skywalker, foi tudo em vão, pois a lenda viva falhou miseravelmente. Agora a mesma esperança que a Aliança Rebelde constituía está na Resistência; a mesma responsabilidade que Luke tivera em manter os Jedi vivos está em Rey.

Por se tratar de um prelúdio, a Segunda Trilogia não anula nada do que foi estabelecido anteriormente (a não ser por acrescentar os Midi-chlorians e outros pequenos detalhes que irritaram muitos fãs mais velhos). Se falhou miseravelmente, foi pela sua execução, e não pelo seu conceito em si. A série The Clone Wars é a prova viva de que, se bem executadas, todas as ideias que envolvem essa trilogia prelúdio poderiam haver transformado-se em algo incrível. A atual trilogia, porém, anula literalmente tudo o que foi construído com os três filmes originais. Se O Despertar da Força reconstitui cada detalhe narrativo do filme de 1977, Os Últimos Jedi inova nos tais detalhes e na forma de contar a história, mas permanece fazendo parte de um processo de repetição a que estava fadado desde a compra da Lucasfilm. Talvez o desejo do diretor Rian Johnson de inovar na narrativa seja justamente o seu modo de fugir do fardo já instaurado (sendo Ben Solo a principal figura de inovação – uma ironia, sendo ele um Skywalker). Assim sendo, se Os Últimos Jedi engana o expectador nos primeiros dias, fazendo parecer um capítulo inovador na saga, a longo prazo deve ficar claro que a mal executada Trilogia Prelúdio é de fato muito mais corajosa, apesar de igualmente muito mais fracassada. Não acredito, porém, que isso seja algo sintomático de que o público quer mais do mesmo. Acredito realmente que exista uma grande demanda por material novo, mas a incrível má execução dos Episódios I, II e III (o terceiro em muito menor escala, até mesmo sendo considerado por tantos um dos melhores da saga) deixa impossível qualquer maior apreciação sobre os planos de George Lucas.

Apesar de se tratar de uma visão do conjunto, é de se acreditar que isso afete os Episódios VII, VIII e IX, mas o sétimo filme – por ser o primeiro de uma trilogia – talvez seja o menos prejudicado nesse quesito.

Spoilers a seguir:


Ainda no que tange a culpas que vão além do filme, Os Últimos Jedi tem como forte problema cumprir expectativas estabelecidas no filme anterior (talvez o maior culpado, por livrar-se de resolver questões e deixá-las para o filme seguinte, de outro diretor). Muito se falava da Capitã Phasma antes de O Despertar da Força, e a mesma não mostrou nem um pouco a que veio. Porém, tudo podia ser resolvido pela frase “no próximo filme isso se acertará”. De fato a personagem foi mostrada com mais dignidade na continuação, mas não o suficiente para justificar tanta promessa. Contudo este é o menor dos problemas, uma vez que a identidade de Rey (assim como a de Kylo Ren, porém revelada já em 2015) foi desde sempre questão de enorme mistério e importância não só pelos fãs, mas pelo próprio primeiro filme, e após dois anos de espera, a revelação de que ela é filha de dois bêbados é um desserviço. Ou a revelação de que ela é filha de “dois ninguéns” deveria ocorrer no primeiro filme, ou a revelação do segundo filme deveria ser mais significativa. Três (pois a ansiedade já existe desde um ano antes do primeiro) anos de um mistério que revelou-se tão insignificante é um desserviço não só ao fã, mas a qualquer narrativa que se estenda por mais de uma obra.

Algo muito semelhante ocorreu em relação ao Líder Supremo Snoke, um mistério que data igualmente de três anos atrás, e permanece não resolvido. Não seria um problema, uma vez que ainda nos resta o capítulo final, mas o personagem está morto. Não é preciso entender de narrativa para saber que o expectador é muito mais impactado pela morte de alguém quando sabe sobre o personagem. O desconhecimento não impede a cena de arrepiar o público, mas poderia ser ainda mais impactante. Há sempre o argumento “mas podem explicar no próximo filme”, mas o personagem já não mais existe. Além disso, qualquer argumento em defesa de um filme atual que envolva o próximo é descabido de fundamento, constituído de puro escapismo.



O grande problema do filme que independe dos anteriores é o arco do Finn e da Rose, de longe o mais desinteressante da saga em anos. A personagem parece fruto de uma necessidade de consolo ao amado stormtrooper do primeiro filme, “friendzoneado” pela última Jedi. Toda a busca por um decodificador é não só desinteressante, como desimportante, uma vez que em nada auxilia na sobrevivência dos rebeldes. O personagem de Benício del Toro, por sua vez, remete a Lando Calrissian, devido à sua traição. O segundo, porém, mostrou ainda naquele filme a que veio, enquanto o decodificador mostra-se apenas uma aleatoriedade no roteiro. Pode-se arriscar dizer, ainda, que os personagens Finn e Poe Dameron estão menos carismáticos do que em seus filmes de origem (obviamente devido à circunstância da narrativa), mas não se trata de algo muito relevante.

O filme, porém, não deixa de impressionar pelas suas reviravoltas, desenvolvimentos de personagens, visuais impecáveis e fan-services. Se passamos a acreditar que talvez Ben Solo volte para a luz, somos enganados; assim como ocorreu quando (por um segundo) pareceu ser possível que o mesmo pudesse querer matar a Rey, quando na verdade tratava-se da morte de Snoke. Todo o desenvolvimento de Rey e Luke na misteriosa ilha, a participação de Mestre Yoda, quaisquer sequências de batalha (mas nada que supere a final). O arrepio de se assistir a um Luke Skywalker envelhecido caminhar em direção a uma frota militar e sair ganhando, assim como a subsequente e visualmente impecável morte do lendário mestre Jedi (sem dúvida uma das cenas mais bonitas de toda a saga). A sequência  dos espelhos (semelhante à da caverna de Dagobah) e a sensação de Rey em relação a como a Força atua sobre a ilha e o universo. Todos estes aspectos são capazes de provocar gritos, aplausos, arrepios e choros, e fazem valer qualquer ingresso. O que se deve evitar é permitir que tais sentimentos ofusquem problemas objetivos dos mais diversos (mesmo que a grande maioria não seja culpa individual do filme). Algo muito semelhante ocorreu em relação a Rogue One, quando após assistirem a um filme de pouco mais de duas horas, o público em geral só sabia falar sobre a cena de Darth Vader.